Escutar o cliente como base para o produto ou marketing já não é mais uma novidade. Inclusive em muitos casos já é uma necessidade.

Nesse artigo juntei experiência que já tive rodando algumas centenas de entrevistas, e complementei com a união do conteúdo de 7 livros que abordam o tema de alguma maneira.

Os livros são esses:

1. Lean Customer Development;

2. 4 steps to epiphany;

3. The Mom Test;

4. Intercom on Jobs to be done;

5. When Coffee and Kale Compete;

6. Continuous Discovery Habits;

7. Comunicação Não Violenta;

Antes da gente começar com o como, eu queria deixar claro pra vocês o porquê das entrevistas.

Principalmente durante a pandemia, várias empresas fecharam justamente pela falta de contato com clientes. Faltava o entendimento das novas motivações dos clientes. Como eles estavam buscando progredir naquele momento? Qual melhoria buscavam para a vida deles?

Em algumas empresas que já entrei, uma das minhas primeiras buscas era se a empresa conversava com o cliente, como era esse ponto de contato com o cliente? Logo de cara fiquei assustado porque praticamente todas as empresas tinham sim contato com o cliente.

Mas quando entrava à fundo, esse contato era somente para perguntar se o cliente havia gostado do produto, aplicando metodologias como NPS. Mesmo esse NPS não servia muito para a empresa, não entendia-se o porquê daquela nota. Faltava compreensão sobre o que realmente tinha gerado valor ou não para o cliente.

Então quando falo de entrevistas com os clientes, falo de atitudes mais proativas, e não reativas. Ou seja, você entra em contato com o cliente, entre outras coisas, para:

  1. Definir o que você vai fazer no seu produto;
  2. Definir como você vai posicionar o seu produto no marketing, entendendo comportamentos, motivações e o momento dos clientes;

COMO FAZER AS ENTREVISTAS:

Vamos dividir o “como” em 4 partes:

  1. Na primeira parte vou falar sobre os princípios das entrevistas, que pra mim é o mais importante de tudo nesse artigo;
  2. Logo em seguida, eu falo mais sobre o que não fazer, o que você deve evitar;
  3. Na terceira parte, comento sobre como preparar as entrevistas;
  4. E por fim, concluo com exemplos de perguntas que podem ser feitas, para cada um dos princípios que vou apresentar na parte 1

PARTE 1 - PRINCÍPIOS

Existem 3 princípios em uma entrevista que gostaria que vocês internalizassem.

Sempre falo de princípios. Porque sabendo os princípios, você consegue adaptar como as coisas são feitas. Respeitando o contexto da empresa, o cenário atual da empresa, sem ficar preso à um método específico.

Então entendendo os princípios, tudo fica mais fácil.

E eles são:

  1. Observar comportamentos (o que a pessoa já fez?)
  2. Entender o contexto (em que momento a pessoa faz aquela ação?)
  3. Entrar à fundo em Motivações (por que as pessoas se comportam daquele jeito?)

Recomendo que as perguntas sejam criadas com base nesses princípios.

PARTE 2 - O QUE EVITAR EM UMA ENTREVISTA

Quando falo sobre o que evitar, não necessariamente falo que você nunca deve fazer.

Existem circunstâncias que você pode encaixar uma ou outra coisa, mas sugiro você deixar para quando tiver mais experiência em entrevistar pessoas e entender comportamentos.

O que você não quer em uma entrevista? No meu caso, é enviesar as respostas, e por isso evitar as 5 ações que vou falar agora é bem importante.

1. Não fale da ideia ou solução que você está pensando logo de início. Deixa isso pro final, caso faça sentido compartilhar. Falar no início da conversa pode enviesar (bastante) as respostas.

2. Perguntas hipotéticas sozinhas não são boas, são perguntas que começam com: você usaria, você gostaria, você reclamaria, você se importaria, ou seja perguntas no futuro do pretérito. Mas se em algum momento você precisar fazer esse tipo de pergunta, tente corrigir buscando as motivações e comportamentos por trás dessas respostas.

3. Respostas que começam com: ”Eu geralmente…” ”Eu sempre…” ”Eu nunca…” necessitam de uma pergunta a mais, para entender o que é esse “geralmente”, o que é “sempre”. Tente ser mais específico.

4. Não se prenda aos elogios. Caso a pessoa já te conheça, ou saiba algo sobre você, deixa os elogios um pouco de lado, isso não vai te ajudar a aprender nesse momento. E se por um acaso a pessoa te elogiar no final, depois que você falar da sua ideia, lembre-se que elogio não é compromisso. Não é porque ela te elogiou que ela compraria seu produto.

5. Você vai encontrar as “falsas reclamações” durante as entrevistas, são pessoas que reclamam de tudo, mas não faz muita coisa pra resolver. Eles podem dar uma falsa sensação de que um problema é muito grande, enviesando o entrevistador. Nesse caso, também tente ancorar nos comportamentos.

Se a pessoa falar: “nossa isso pra mim é horrível, realmente acaba com o meu dia”, se isso realmente for horrível, provavelmente a pessoa tentou melhorar de alguma maneira né? Mas o que acontece, é que quando você pergunta o que a pessoa já tentou pra resolver aquele problema, pode ser que ela responda que nunca tentou nada. Isso pode ser um sinal que esse problema não é tão grande assim.

Então até aqui, entendemos já os princípios e o que evitar nas entrevistas, mas como prepará-las?

PARTE 3 - COMO PREPARAR ENTREVISTAS

Tão importante quanto executar as entrevistas, é o planejamento delas.

Porque você não chega lá fazendo perguntas desconexas, no final das contas você está entrevistando as pessoas para aprender alguma coisa.

Primeiro é importante que você defina o objetivo, por que você vai entrevistar os clientes, o que quer descobrir?

Pode ser pra lançar um novo produto, para entender por que os clientes estão saindo da empresa, para entender por que os funcionários não estão engajados. São várias opções, e é importante definir esse objetivo que você quer alcançar, ou esse problema que você quer resolver.

Bom, depois que você definiu o objetivo, recomendo você fazer uma matriz CSD.

O que é uma matriz CSD, Giampaolo? CSD significa Certezas, Suposições e Dúvidas.

Simplesmente escreva todas as coisas que são certezas, tudo o que é suposição e tudo o que é dúvida.

Em certezas, logicamente você escreve tudo o que é certeza, seja sobre clientes, mercado, limitações, tecnologia, tudo que auxilia no objetivo que você levantou no passo anterior.

Uma coisa importante: você precisa indicar os dados que confirmam essas certezas.

Em suposições, você vai colocar tudo que você acha que é verdade, são crenças que você tem poucas evidências, mas que não consegue afirmar que é certeza ainda.

Em dúvidas, tudo o que você realmente tem dúvida, que você não faz ideia, mas que seria importante descobrir. A diferença entre suposições e dúvidas, é que em suposições você já tem evidências iniciais e em dúvidas realmente você não sabe nada, mas quer descobrir.

Agora que você concluiu a matriz CSD, é hora de organizar.

Todas essas suposições e dúvidas vão virar perguntas para as entrevistas, e você precisa priorizar quais são as 10-15 mais importantes, pelo menos para a primeira rodada de entrevistas. Lembrando que uma mesma suposição pode ter mais que uma pergunta. Às vezes para validar uma suposição específica, você pode precisar de uma entrevista inteira.

Então se você levantou uma suposição:

“Eu acredito que os clientes comem macarrão toda semana, mas não sabem prepará-los.”

Exemplos de perguntas pra essa suposição seriam:

  • Qual foi a última vez que você fez macarrão? Como foi?
  • O que te impede de fazer macarrão mais vezes?

Mas não vamos acelerar, que vou falar mais sobre as perguntas jájá.

Agora que você já fez a matriz CSD, organizou e priorizou as suposições e dúvidas que vão virar perguntas, é hora de levantar os 3 grandes aprendizados.

E é como diz o nome, são basicamente 3 coisas que você não pode sair da entrevista sem saber.

Levantar os 3 grandes aprendizados, é bom porque às vezes você pode reorganizar a ordem das perguntas com um entrevistado mais apressado.

Ou mesmo em entrevistas mais longas, ter consciência se você já conseguiu aprender o que queria. E um outro caso, seria quando você conversa com pessoas aleatórias, sem realmente marcar uma entrevista, e precisa ir direto nos pontos mais importantes.

Esses 3 grandes aprendizados, são diretamente conectados com o objetivo da entrevista.

Então se por exemplo, você está fazendo entrevistas pra descobrir os motivos que os clientes estão cancelando o serviço, você poderia ter como 3 grandes aprendizados o seguinte:

  1. Por que eles estão saindo?
  2. Qual o momento que gera essa saída? É em algum contexto específico?
  3. Qual era a expectativa deles antes de entrar?

Ufa, é muita coisa né? Mas agora vamos pra última parte, que são os exemplos de perguntas.

PARTE 4 - PERGUNTAS PARA FAZER

Uma pergunta quebra-gelo de início é importante.

Pensa em uma corrida, antes de sair correndo do nada, é interessante que você faça um aquecimento inicial, para não prejudicar o resultado final.

Com isso você já começa a perceber como é o entrevistado, se ele é mais aberto ou mais fechado, se é claro e objetivo nas respostas ou gosta de argumentar bastante.

Mesmo sendo uma pergunta quebra-gelo, ela já pode ser direcionada ao tema principal da entrevista, então tente não perguntar coisas tão aleatórias.

Você pode pedir que ele conte uma história inicial sobre o tema:

“Me conte mais sobre…”; “Pode me falar um pouco sobre como você conheceu a empresa/serviço?”;

Essas 2 perguntas são ótimas, a primeira “Me conte mais sobre” permite já que a gente entenda muita coisa sobre a visão de mundo do entrevistado. Você já consegue perceber se é uma pessoa mais aberta, se é uma pessoa que fala mais, ou uma pessoa mais objetiva, e ajusta a sua entrevista com base nisso.

Depois dessa pergunta quebra-gelo, você pode começar normalmente a entrevista.

Aqui algumas perguntas com base nos princípios da parte 1.

Comportamentos

  • “Qual foi a última vez que aconteceu X, Y, Z?”
  • “O que você já tentou para resolver isso?”

Contexto

  • “Pode me falar um pouco mais quando X, Y, Z aconteceu?”
  • “Me conta sobre o que você está fazendo para melhorar isso?”
  • “O que te impede de alcançar isso?”

Motivações

  • “Por que X te incomoda?”
  • “Quais as consequências disso?”
  • “Por que você fez tal coisa…”

Importante: caso a pessoa já queira te dar uma uma ideia de solução durante a entrevista, o que é normal, entre à fundo no por quê ela quer aquilo, em uma pergunta como:

“No que isso (a solução) te ajudaria?”

Provavelmente com a resposta dessa pergunta, você vai saber realmente qual a necessidade dessa pessoa. E encontrar maneiras mais simples de resolver o problema.

Ah, às vezes a pessoa já respondeu uma pergunta que você faria, antes de você perguntar, então não precisa ser repetitivo e perguntar a mesma coisa de novo…

DICAS FINAIS

Pratique a escuta ativa: pegue trechos do que a pessoa falou para formular sua pergunta (porque a pessoa se sente ouvida quando você cita na sua pergunta algo que ela falou). Não fique pensando na próxima pergunta, preste atenção no entrevistado.

Muitas vezes a resposta vai ser superficial, e o grande segredo é entrar à fundo. Essa é a diferença entre quem nunca realizou uma entrevista, e quem já tem certa experiência. De início você não consegue formular perguntas em cima das respostas do cliente ali na hora, mas com o tempo você desenvolve essa habilidade.

Se for o caso de coletar informações de um cliente que está saindo do seu serviço, tente ser mais pontual, seja objetivo, se possível faça a pergunta mais importante (se for apenas uma, ainda melhor). Conseguir entrevistas com esses clientes é um pouquinho mais difícil.

E a pergunta que não quer calar: quando parar com as entrevistas? É simples, quando não tem nada novo, as respostas já estão entrando no mesmo padrão.

Se você achar que vale compartilhar esse conteúdo com alguém, sinta-se totalmente à vontade, eu tenho vídeos complementares à este artigo no canal também, como um que eu falo sobre como a concorrência nem sempre é o que a gente imagina.